Pesquisa personalizada

sábado, 24 de setembro de 2011

Shark Finning


Texto de Marcelo Szpilman


A pesca de tubarão, praticada há milênios, sempre foi uma atividade lícita e as nadadeiras eram apenas mais um dos itens a serem aproveitados e comercializados. Um cação de porte médio fornece cerca de 5% a 8% de nadadeiras, 35% de filé, 13% de fígado (rico em óleos, contendo as Vitaminas A e D), 9% de pele (utilizada na confecção de artigos de couro) e 35% de resíduos (transformados principalmente em farinha de peixe para a ração de cães e gatos).
A partir dos anos 1990, para suprir a forte demanda do lucrativo comércio mundial de barbatanas de tubarão, as nadadeiras passaram a ser o objetivo principal e único desse tipo de pesca. Começou aí o que se denomina Finning, a pesca ilegal para obtenção exclusiva das nadadeiras dos tubarões, uma das mais cruéis e perturbadoras perseguições realizadas pelo ser humano. Mesmo que essas nadadeiras fossem diretamente para o prato de crianças famintas, seria um total despropósito. Mas não é para isso que são ceifadas.
Parte do problema advém de dois fatores que se conjugam com a ganância humana: a carne das espécies cujas nadadeiras são muito valorizadas, como os martelos e azuis, alcançam preços baixos no mercado e as embarcações de pesca têm limites físicos de armazenagem. Como a indústria pesqueira obtém em torno de US$ 50.00 por quilo de nadadeira seca ao sol contra US$ 1.50 por quilo da carne de tubarão, que deve ser processada e refrigerada adequadamente no porão da embarcação, fica fácil entender porque o pescador, ao capturar um tubarão, prefere cortar fora suas nadadeiras e atirar seu corpo de volta ao mar. Muitas vezes vivo, mas mortalmente aleijado, o animal afunda para morrer sangrando, comido por outros peixes ou para apodrecer no leito do mar.
Um bom exemplo vem do biólogo e pescador Sergio Jordão, dono da Fisherman do Brasil, indústria de transformação de peixes e frutos do mar, que trabalhava com a carne do tubarão-azul e há quase um ano parou em função do finning. Segundo ele, que acha uma absurdo “a galha valer mais do que o cação”, um “jogo completo” de nadadeiras (1 dorsal, 2 peitorais, 1 anal e 1 caudal inferior) de um tubarão-azul de 40 kg pesa aproximadamente 3,5 kg, que o pescador vende ao atravessador por R$ 75,00/kg. Ou seja, recebe R$ 265,00 pelas nadadeiras, enquanto o “charuto” (corpo sem cabeça e nadadeiras) poderia lhe render no máximo R$ 90,00 (30 kg x R$ 3,00).
Não se tem um número preciso da quantidade de tubarões-azuis capturados em nossas águas, mas nas costas do Havaí o tubarão-azul desaparece ao ritmo de 50 mil animais por ano, capturados exclusivamente por suas nadadeiras. Nos mercados asiáticos, onde o quilo de barbatana do tubarão-azul pode atingir US$ 120.00, a sopa de barbatana de tubarão é vendida nos restaurantes finos, como em Hong Kong, por até US$ 150.00 o prato.
Envolvidos hoje nesse “grande negócio”, atendendo à demanda crescente por barbatanas, cerca de 120 países, incluindo o Brasil, matam 70 milhões de tubarões por ano em todos os oceanos. Espanha, Portugal, Reino Unido e França estão entre as nações TOP 20 responsáveis por 80% da captura global de tubarões. Somente os barcos espanhóis são responsáveis pelo suprimento de 25% das barbatanas vendidas em Hong Kong. Para se ter uma ideia do tamanho dessa demanda, somando-se aos 300 milhões de chineses das classes média e alta, mais de 500 mil chineses já são considerados milionários. E esse grupo enorme de consumidores de sopa de barbatana de tubarão cresce ao ritmo de 10% ao ano.


Tubarão sem barbatanas | Foto de Nancy Boucha

Os Impactos do Finning

A pesca para obtenção das barbatanas de tubarão é uma ação predatória progressiva, constante e silenciosa. É insustentável e está ameaçando seriamente a sobrevivência das populações de tubarões 43% das espécies de tubarões em nosso litoral já estão ameaçadas de extinção. Se nada for feito, dezenas de espécies, cujas populações declinaram em até 90% nos últimos 20 anos, estarão extintas nas próximas décadas.
Significa dizer que em pouco tempo não haverá mais tubarões “produzindo” nadadeiras. Já está mais do que na hora de reavaliar como estamos usando os escassos recursos marinhos para satisfazer nossas necessidades e desejos. Apesar de grandiosos, os oceanos não suportam mais nossos hábitos tradicionais de consumo. Estamos exaurindo as fontes e levando os mares ao limite da sustentabilidade para diversas populações de animais.
A sociedade e nossos governantes precisam entender que os tubarões têm um valor intangível para a Natureza e para os seres humanos. Eles exercem um papel crucial na manutenção da saúde e do equilíbrio da vida nos mares. Sem esses guardiões dos oceanos, teremos um ambiente doente e frágil e os decorrentes desequilíbrios nos ecossistemas marinhos serão imprevisíveis e catastróficos para a humanidade. Mas o valor dos tubarões vivos vai além da questão puramente ecológica ou emocional.

Alternativas Econômicas ao Finning

Um recente estudo australiano demonstrou que, ao longo de sua vida, os tubarões do arquipélago de Palau (que tem legislação banindo o shark finning de suas águas) trazem, por ano, US$ 18 milhões para o turismo de mergulho com tubarões e representam ainda US$ 2 milhões para economia da pequena nação. Ou seja, considerando o aspecto puramente financeiro, um tubarão mantido vivo pode valer milhares de vezes mais do que um tubarão morto. Não é mais concebível que os tubarões acabem futilmente em uma tigela de sopa de barbatana. Temos que rever a forma como aproveitamos economicamente esses “recursos” maravilhosos para não cairmos num buraco sem volta.

A Comprovação do Finning no Brasil

Um recente estudo realizado na Universidade New Southeastern, na Flórida (EUA), analisou o material genético de 177 tubarões-martelo da costa brasileira, do Caribe, do Golfo do México e dos oceanos Pacífico e Índico e confrontou os dados com o DNA de 62 nadadeiras de tubarões da mesma espécie à venda em Hong Kong __ um dos maiores mercados no mundo onde a barbatana de tubarão pode custar até US$ 700 o quilo. O estudo concluiu que 21% das nadadeiras vinham do Oceano Atlântico Ocidental, área que inclui o Brasil. Ou seja, existem pescadores no Brasil participando da pesca ilegal e do tráfico de barbatanas de tubarão.

Legislações e Iniciativas contra o Finning

Brasil – A Portaria do Ibama nº 121/1998 proíbe a rejeição ao mar das carcaças de tubarões dos quais tenham sido removidas as barbatanas e somente permite o transporte a bordo ou o desembarque de barbatanas em proporção equivalente ao peso das carcaças retidas ou desembarcadas. Para efeito de comprovação dessa proporcionalidade, o peso total das barbatanas não pode exceder a 5% do peso total das carcaças. Nos desembarques, todas as carcaças e barbatanas de tubarões devem ser pesadas. Nota: a legislação é boa, mas de difícil emprego, controle e fiscalização.

Estados Unidos – O Congresso americano aprovou em dezembro de 2010 uma nova legislação exigindo que todos os tubarões capturados legalmente em águas norte-americanas devem ser desembarcados com suas nadadeiras íntegras e no corpo do animal. Nota: essa legislação é muito boa e pragmática e serviu de exemplo para nossa campanha.

Hawaii – No início de 2010, o Estado do Hawaii, com o objetivo de banir a sopa de barbatana de tubarão, aprovou uma lei proibindo a posse, venda, comércio e distribuição de barbatanas de tubarão.

Califórnia – No início de 2011, o Estado da Califórnia, como fez o Hawaii, aprovou uma lei proibindo a posse, venda, comércio e distribuição de barbatanas de tubarão.

União Europeia – No início de 2011, por iniciativa da Project AWARE Foundation (ligada à PADI), o Parlamento Europeu endossou uma resolução para banir o Shark Finning, propondo a proibição da remoção das nadadeiras dos tubarões a bordo das embarcações europeias.

Washington – Em maio de 2011, a governadora do Estado de Washington (EUA) assinou uma lei proibindo o comércio de barbatanas de tubarão.

Bahamas – No início de julho de 2011, o governo das Bahamas aprovou uma lei banindo o shark finning de suas águas e proibindo o comércio e exportação de produtos de tubarão. O Arquipélago se juntou a Honduras, Maldivas e Palau, que já têm legislação semelhante.



Retirado de underxmag.com