Intencionalmente deixamos para discutir por último     este fator, de extraordinária importância para o Bioma do Cerrado, seja pelos múltiplos     e diversificados efeitos ecológicos que exerce, seja por ser ele uma excelente ferramenta     para o manejo de áreas de Cerrado, com objetivos conservacionistas. "Mas"... o     leitor diria intrigado: "como conservar, ateando fogo ao Cerrado?". A resposta     é simples: proteção total e absoluta contra o fogo no Cerrado é uma utopia, é     extremamente difícil. O acúmulo anual de biomassa seca, de palha, acaba criando     condições tão favoráveis à queima que qualquer descuido com o uso do fogo, ou a queda     de raios no início da estação chuvosa, acabam por produzir incêndios tremendamente     desastrosos para o ecossistema como um todo, impossíveis de serem controlados pelo homem.     Neste caso é preferível prevenir tais incêndios, realizando queimadas programadas, em     áreas limitadas e sucessivas, cujos efeitos poderão ser até mesmo benéficos. Tudo     depende de sabermos manejar o fogo adeqüadamente, levando em conta uma série de fatores,     como os objetivos do manejo, a direção do vento, as condições de umidade e temperatura     do ar, a umidade da palha combustível e do solo, a época do ano, a freqüência das     queimadas etc. É assim que se faz em outros biomas savânicos, semelhantes aos nossos     Cerrados, de países como África do Sul, Austrália, onde a cultura ecológica é mais     científica e menos emocional do que a nossa     "Mas..." diria ainda o leitor:     "... e quando o homem não estava presente em tais regiões, no passado remoto,     incêndios desastrosos também não ocorriam em conseqüência dos raios? Não seria     melhor deixar queimar, então, naturalmente?". Grandes incêndios certamente     ocorriam, só que não eram desastrosos. Não existiam cercas de arame farpado prendendo     os animais. Eles podiam fugir livremente do fogo, para as regiões vizinhas. Por outro     lado, áreas eventualmente dizimadas pelo fogo podiam ser repovoadas pelas populações     adjacentes. Hoje     é diferente. Além das cercas, a vizinhança de um Parque Nacional ou qualquer outra     unidade de conservação, é formada por fazendas, onde a vegetação e a fauna natural     já não mais existem. O Parque Nacional das Emas, no sudoeste de Goiás, por exemplo, é     uma verdadeira ilha de Cerrado, em meio a um mar de soja. Se a sua fauna for dizimada por     grandes incêndios, ele não terá como ser naturalmente repovoado
, uma vez que essa fauna     já não mais existe nas vizinhanças. Manejar o fogo em unidades de conservação como     esta é uma necessidade urgente, sob pena de vermos perdida grande parte de sua     biodiversidade. 
Poucas são as nossas unidades de conservação, com áreas bem significativas, onde o Cerrado é o bioma dominante. Entre elas podemos mencionar o Parque Nacional das Emas (131.832 ha), o Parque Nacional Grande Sertão Veredas (84.000 ha), o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (33.000 hs), o Parque Nacional da Serra da Canastra (71.525 ha), o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (60.000 ha), o Parque Nacional de Brasília (28.000 ha). Embora estas áreas possam, à primeira vista, parecer enormes, para a conservação de carnívoros de maior porte, como a onça-pintada e a onça-parda, por exemplo, o ideal seria que elas fossem ainda maiores.
                    Se considerarmos que cerca de 45% da área do     Domínio do Cerrado já foram convertidos em pastagens cultivadas e lavouras diversas, é     extremamente urgente que novas unidades de conservação representativas dos cerrados     sejam criadas ao longo de toda a extensão deste Domínio, não só em sua área nuclear     mas também em seus extremos norte, sul, leste e oeste. A criação de unidades de     conservação com áreas menos significativas não deve, todavia, ser menosprezada. Quando     adequadamente manejadas, elas também são de enorme importância para a preservação da     biodiversidade. Só assim se conseguirá, em tempo, conservar o maior número de espécies     de sua rica e variadíssima flora e fauna.
                  A grande maioria das atuais unidades de     conservação, sejam elas federais, estaduais ou municipais, acha-se hoje em uma     situação de completo abandono, com sérios problemas fundiários, de demarcação de     terras e construção de cercas, de acesso por estrada de rodagem, de comunicação, de     gerenciamento, de realização de benfeitorias necessárias, de pessoal em número e     qualificação suficientes etc. Quanto ao manejo de sua fauna e flora, então nem se fale.     Pouco ou nada se faz para conhecer as populações animais, seu estado sanitário, sua     dinâmica etc. Admite-se "a priori" que elas estão bem pelo simples fato de     estarem "protegidas" por uma cerca, quando esta existe. Na realidade, isto     poderá significar o seu fim. Problemas de   consangüinidade, viroses, verminoses, epidemias, poderão estar ocorrendo entre os animais, dizimando-os dramaticamente, e nem se sabe disto. Pesquisas a médio e longo prazo são essenciais para que possamos compreender o que acontece com as populações animais remanescentes nos cerrados. Paralelamente, espécies exóticas de gramíneas, principalmente as de origem africana, como o capim-gordura, o capim-jaraguá, a braquiária, estão invadindo estas unidades de conservação e substituindo rapidamente as espécies nativas do seu riquíssimo estrato herbáceo/subarbustivo. Dentro de alguns anos, ou décadas que seja, estas unidades transformar-se-ão em verdadeiros pastos de gordura, jaraguá ou braquiária e terão perdido, assim, toda a sua enorme riqueza de espécies de outrora.
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