Artigo do jornalista Washington Novaes para O Estado de S.Paulo
|
Washington Novaes
Foto da internet |
A nova discussão e votação do projeto de Código Florestal no Congresso, prevista para as semanas depois de terminado o recesso, poderá ser uma boa oportunidade para que os parlamentares, observando o que está acontecendo de desastres em razão de “eventos extremos” (chuvas, principalmente) nos Estados de Minas Gerais, do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, entre outros pontos, possam rever dispositivos que reduzem áreas de preservação permanente à beira de rios, em encostas e topos de morros. O panorama naqueles Estados é muito claro: o desmatamento nas três situações reduz a infiltração de água no subsolo, aumenta a erosão e o carreamento de sedimentos para a calha dos rios – e nesta se reduz a capacidade de receber água e manter contido o fluxo hídrico. As enchentes não só afetam culturas como derrubam barragens, destroem pontes e aterros, inundam comunidades, desalojam dezenas de milhares de pessoas. O caso do Rio Muriaé, nestas últimas semanas, é bem típico.
Nada leva a crer que vá mudar o panorama de “eventos extremos”. Estudos nas Universidades de Colúmbia e da Carolina do Norte, nos EUA (Forbes, 23/12/2011), publicados nos Proceedings of the National Academy of Sciences (agosto de 2009), preveem que impactos nos cultivos de milho, soja e algodão, em função de temperaturas mais altas neste século, serão pelo menos 25% a 30% maiores, antes de se iniciar um processo de declínio; as projeções mais pessimistas indicam perdas entre 63% e 82% até o fim do século 21. Também a Organização Meteorológica Mundial prevê que a temperatura terrestre continuará a elevar-se – 2010 foi um dos anos mais quentes desde 1850, entre 1998 e 2011 tivemos os 12 anos mais quentes desde que se registram temperaturas. E estas, se mais elevadas, podem influenciar chuvas mais fortes.
Mesmo no Brasil há informações inquietantes. Estudos do professor Paolo Alfredini, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da USP (Estado, 1.º/1), mostram que a elevação do nível do mar no litoral norte de São Paulo – segundo registros da Cia. Docas de Santos entre 1944 e 2007 – pode ser calculada em 74 centímetros em um século e deve acelerar-se em 20 anos, para chegar no final do século 21 a um metro nos pontos de menor declive. Água salgada pode comprometer sistemas de abastecimento urbano.
Em nosso país, escreve o correspondente Jamil Chade (Estado, 6/1), enchentes já provocaram prejuízos de R$ 5 bilhões em uma década – dados da seguradora Swiss Re -, além de 120 mortes por ano, entre os 19 milhões de pessoas expostas ao risco. Segundo a ONU, já somos o 13.º país mais vulnerável por esse ângulo, com 246 mil pessoas afetadas por ano, e o 18.º em prejuízos. Só nas últimas semanas, 2,5 milhões de pessoas foram atingidas pelas chuvas, diz o governo federal (Estado, 10/1) – sem falar nas secas extremas no Rio Grande do Sul, com prejuízos de R$ 2 bilhões nos cultivos de soja, milho e algodão.
Desde a década de 1980 o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, vem advertindo para o agravamento dos desastres nessa área, mas parecemos surdos, cegos e céticos. Ao menos por aqui. Para ficar só nos fatos mais recentes, em 2010 a hoje presidente Dilma Rousseff prometeu que o governo federal tomaria medidas para evitar novos desastres. Mas quando se lê hoje sobre escândalos no Ministério da Integração Nacional, conclui-se que os interesses eleitorais prevaleceram sobre tudo. Em oito anos o Congresso Nacional autorizou a aplicação de R$ 2,8 bilhões em programas de prevenção de desastres nessa área, mas só foram aplicados R$ 695,4 milhões (O Globo, 3/1). No ano passado mais de 900 pessoas morreram nas inundações e nos deslizamentos de terras no Estado do Rio de Janeiro. Mas de lá para cá praticamente nada se fez para mudar o quadro – e as novas chuvas estão levando a novos desastres. Em Belo Horizonte dezembro foi o mês mais chuvoso na História, diz o Instituto Nacional de Meteorologia – e o panorama em Minas é desastroso, a começar pelas regiões banhadas ali (e no Estado do Rio de Janeiro) pelo Rio Muriaé. Nas proximidades de Campos, toda a população de Três Vendas, cerca de 4 mil pessoas, teve de abandonar suas residências.
Levantamento do Serviço Geológico do Brasil (O Globo, 3/1) indica que em 251 municípios há risco de acidentes por causa do clima, e 178,5 mil pessoas vivem em áreas de risco alto ou muito alto. Só na cidade de São Paulo 27,1 mil famílias, cerca de 100 mil pessoas, moram em regiões de alto risco. Quase 1 milhão de pessoas ocupam áreas inadequadas, inclusive de preservação permanente. Ainda há pouco o Ministério Público recorreu à Justiça para exigir que os órgãos estaduais e municipais promovam obras em 121 favelas onde 20 mil moradias correm o risco de sofrer com deslizamentos.
É preciso repetir: mudanças climáticas já são o mais grave problema a enfrentar, aqui e em toda parte. Há poucos dias, a Universidade de Louisiana (EUA) advertiu que são muito fortes os riscos para a população de 16 países no Sul da Ásia, com o derretimento de geleiras, que se verifica também no Ártico e nos Andes. O governo das Ilhas Maldivas, no Pacífico, anunciou que vai cuidar da transferência de parte de sua população para a Austrália por causa da elevação do nível do mar, que já está acontecendo e ameaça mais de 30 países-ilhas.
Iniciativas importantes estão ocorrendo nas áreas de energia, transportes, construção e outras para reduzir emissões de poluentes. De modo geral, entretanto, continuam a prevalecer, nos negócios públicos e em empresas, as lógicas financeiras imediatistas. Quando acordaremos? Poderíamos dar um bom exemplo ao mundo no caso do nosso Código Florestal, durante a próxima votação. Os cientistas já mostraram que não é preciso retroceder na proteção aos biomas para expandir a agropecuária. É preciso ouvi-los.